Tuesday, July 02, 2013

É melhor com defeito...

"Não sei muito bem de onde vem a alegria, mas tenho a certeza absoluta de que não vem das coisas perfeitas. E muito menos das perfeitinhas. Às vezes penso que é um presente oferecido no dia do batizado por uma fada madrinha, e que ninguém pode roubar, nem aquela que amuou por não ter sido convidada para a festa. A bruxa que nos deseje, à vontade, um dedo picado no fuso, porque cem anos de sono vinham mesmo a calhar, e de qualquer maneira estou segura de que acabaríamos por acordar tão felizes quanto estávamos quando a sua maldade nos adormeceu. E se for o beijo de um príncipe que nos desperta, tanto melhor, e desde que tenha esperado por nós um século inteiro, até o dispensamos de matar o dragão, que além do mais é uma espécie em vias de extinção que temos de proteger.

Ou talvez a alegria venha de todos os momentos em que acreditamos no que não vemos, em que confiamos no poder da magia e na força dos laços que nos ligam aos outros. Pelo sim pelo não, juro a mim mesma que nunca vou dizer que as fadas não existem, sob risco de ficarmos sem armas para lutar contra a depressão, a da troika e todas as outras, e sem antídotos para a voz do Vítor Gaspar.

Há ainda aquelas vezes em que posso garantir que está dentro dos bolsos, onde ficam os quadradinhos de chocolate que ali arrumámos sem pensar, entre bocadinhos de cordel e de fita-cola para remendar a alma, e o bilhetinho com um coração trespassado por uma seta, com o nosso nome de um lado e o dele do outro, que até nos dá arrepios na espinha só de lhe tocar.

O que estou certa, e quando digo certa é porque tenho mesmo a certezinha absoluta, é que a alegria não resulta de fazermos os deveres, antes de gozarmos os prazeres, nem de andarmos como formigas num carreirinho, ansiosas por abastecer a despensa para um dia de inverno, incapazes de cantar como as cigarras, nem tão-pouco da ânsia de prever tudo, controlar tudo, inebriados pela ideia de que é possível planear a felicidade e fazê-la acontecer como aquelas dietas que nos dizem exactamente o que comer a cada instante do dia. Porque, ah, pois é, estava a esquecer-me de dizer que sem o açúcar das bolas de Berlim também não há riso para ninguém.

Suspeito que a alegria está nas guerras de almofadas que adiam a hora de dormir, nas reuniões de trabalho em que ninguém tem medo de se rir de si próprio, no amor alérgico ao Dia de S. Valentim e em todas as pessoas que são capazes de começar uma refeição pela sobremesa. Por isso, desengane-se se anda à procura de um príncipe encantado ou mesmo de um lobo mau, irrepreensíveis como vem nos livros, desiluda-se se quer ser a princesa das histórias, com as medidas de uma top-model evidentemente, porque como dizia o Abrunhosa a vida são dois dias e um é para acordar. E se há coisa que não tem mesmo graça nenhuma é acordar tarde demais."

Isabel Stilwell, É melhor com defeito , Máxima de Junho

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